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Incêndios 2017 - estão a ser criadas condições para que não se repita?

Os incêndios de 2017 são a maior catástrofe nacional em número de mortos desde as cheias de 1967. Arderam mais de 500 mil hectares e morreram 115 pessoas. O país ficou incrédulo e em choque.

Intrínsecos à floresta e mata portuguesas, estes incêndios assustam há muito as populações do interior, ao ponto de o país ter banalizado a expressão “época de fogos”, como se de uma obrigação do calendário português se tratasse.

Em 2017, a situação atingiu um patamar inédito porque, além do número de mortes, o território sofreu danos praticamente irreparáveis. Desapareceram 520 mil hectares de floresta — mais de metade da área ardida na Europa este ano — e um grande pedaço de história, com o fogo a dizimar o Pinhal do Rei, em Leiria, de onde saiu a mítica madeira que serviu de matéria-prima para construir os navios que levaram os portugueses nos Descobrimentos.
O tecido produtivo e económico foi fortemente atingido, com o futuro e centenas de postos de trabalho a ficar em risco.


Entre 14 e 16 de outubro de 2017 arderam 241 mil hectares em Portugal, segundo dados do Sistema de Informação de Fogos Florestais da União Europeia (EFIS), o que equivale a cerca de metade da área total ardida no ano passado. Nunca tinha ardido tanto em tão pouco tempo em toda a Europa. E em 2017 mais nenhum país do mundo assistiu a um consumo tão vasto e rápido de território.

Num só dia, 15 de outubro, deflagaram meio milhar de fogos que afetaram de forma devastadora 27 concelhos da região Centro, provocando 48 mortos, cerca de 70 feridos e destruindo perto de duas mil casas, fábricas e explorações agrícolas.

Reportagem SIC, incêndios no Norte e Centro do país, em Outubro 2017



Porque aconteceu esta tragédia?

A comissão técnica independente (CTI) criada para analisar os grandes incêndios rurais de 2017 entregou no dia 20 de março no parlamento o relatório dos fogos de outubro (dias 14, 15 e 16), envolvendo oito distritos das regiões Centro (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu) e Norte (Braga e Viana do Castelo).

As "causas que estiveram na origem das muitas ocorrências" não fogem ao padrão da "série histórica de 2001 a 2017": queimadas (31-33%), incendiarismo (33-36%) e reacendimentos (18-24%).

Noutro ponto destacado pelo relatório, "a força do vento e a baixa humidade" permitiram o "rápido crescimento" dos incêndios. "No entanto, quando a energia libertada pelos incêndios superou a energia do vento geraram-se fenómenos que aceleraram e expandiram erraticamente o incêndio, como aconteceu na tarde de 15 e noite de 15 para 16 de outubro."
Tratam-se, segundo a CTI, de "movimentos erráticos e acelerados dos incêndios", que "coincidem com a ocorrência de vítimas mortais".

Falhas na programação do socorro e na rede de comunicações e um “dramático abandono” das populações foram identificados pela comissão técnica, que admite, contudo, uma conjugação singular de fatores meteorológicos.


Indemnizações às vítimas dos incêndios de 2017

Em Março de 2018 a Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, anunciou que as vítimas e os familiares das vítimas dos incêndios de 2017 irão receber 31 milhões de euros em indemnizações.
A provedora de Justiça recebeu 301 requerimentos de familiares de vítimas mortais, tendo já respondido a 289 processos. A provedora de Justiça avançou que a maior indemnização terá sido na ordem dos 300 mil euros e foi atribuída a alguém que "ficou sozinha", sem pais e sem familiares próximos.

Os valores atribuídos pelas mortes estão acima da média das indemnizações pagas em Portugal, porque "o que aconteceu foi único, pela extrema violência", afirmou a responsável, deixando o desejo de que "seja irrepetível". O universo e os critérios para o pagamento das indemnizações aos feridos graves dos incêndios florestais ocorridos entre 17 e 24 de junho e 15 e 16 de outubro de 2017 foram definidos pelo Conselho para a Indemnização das Vítimas de Incêndios, criado por resolução do Conselho de Ministros.


Apoios às populações, empresas e autarquias afectadas pelos incêndios

Os concelhos onde a área ardida supera 4.500 hectares ou onde mais de 10% da área do concelho foi consumida pelo fogo podem aceder ao Fundo de Emergência Municipal.
O FEM serve para "reconstituição de equipamentos da competência das autarquias locais destruídas" com fogos florestais.

Segundo a Resolução do Conselho de Ministros n.º 167-B/2017 a primeira prioridade de intervenção é a relativa à reconstrução e reabilitação das habitações permanentes das populações afetadas pelos incêndios, assegurando-lhes a reposição do património perdido. Pretende-se criar condições para assegurar aos municípios e aos próprios proprietários, quando assim o desejem, condições financeiras para uma reconstrução bem-sucedida.

Relativamente ao apoio mais direto às empresas, cria-se um sistema de apoio ao restabelecimento da capacidade produtiva das empresas afetadas total ou parcialmente pelos incêndios, através de subsídios não reembolsáveis para a compra de máquinas, equipamentos e material circulante de utilização produtiva, deduzidos do valor recebido dos seguros existentes. Complementarmente, vai ser assegurado um crédito de tesouraria e de relançamento da atividade, através de uma linha com acesso facilitado por via de uma garantia pública e com juros bonificados. Estes apoios diretos à atividade empresarial serão complementados por outras ações mais globais, nomeadamente no domínio da valorização turística das regiões mais afetadas. O Governo decidiu criar também um programa excecional e temporário, especificamente dirigido às empresas e trabalhadores diretamente afetados de forma mais grave pelo incêndio, com o objetivo de atuar preventivamente sobre o risco imediato de desemprego e assegurar a viabilidade das empresas.

Também serão desencadeadas medidas de apoio à agricultura e florestas, envolvendo a concessão de apoios aos agricultores, em particular à pequena agricultura, a criação de duas linhas de crédito, uma para a comercialização da madeira e outra para a instalação de parques de receção de madeira ardida com preços mínimos prefixados e a abertura de concursos para apoios a ações de emergência florestal.

O que se prepara para 2018?

Particulares
Todos os proprietários tiveram até 15 de Março para limpar as áreas envolventes às casas isoladas, aldeias e estradas, evitando multas entre 280 euros e 120.000 euros, mas o Governo decidiu suspender a aplicação de coimas por incumprimento até Junho. A GNR já iniciou a fase de fiscalização da limpeza dos terrenos florestais, procedendo ao levantamento de autos de contra-ordenação, que podem ficar sem efeito se os proprietários assegurarem a limpeza até 31 de Maio.

Se os proprietários não procederem à limpeza dos terrenos, as Câmaras Municipais têm que se substituir e garantir a realização de todos os trabalhos de gestão de combustível previstos na lei.
(Lei de 2006 do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, alterada pelo Regime Excepcional das Redes Secundárias de Faixas de Gestão de Combustível)

Municípios
A lei do Orçamento do Estado para 2018, no âmbito das medidas excepcionais de prevenção contra os incêndios, incluiu uma norma segundo a qual os municípios portugueses teriam de elaborar ou actualizar os seus Planos Municipais de Defesa das Florestas contra Incêndios (PMDFCI) até ao dia 31 de Março. No dia 29, havia ainda meia centena de câmaras que não tinha cumprido esta obrigação, de acordo com dados fornecidos por fonte oficial do Ministério da Agricultura.

Os PMDFCI são instrumentos operacionais que abrangem a totalidade do município e onde está desenhado o planeamento integrado das intervenções das diferentes entidades ao nível da prevenção, sensibilização, vigilância e detecção de incêndios florestais. Todos os planos devem seguir a mesma estrutura: o primeiro caderno deve conter o diagnóstico; o segundo o plano de acção; e o terceiro o plano operacional municipal.  A maioria dos municípios tem um plano de defesa contra incêndios, mas, à data em que entrou em vigor a lei do Orçamento do Estado, a maioria desses planos tinha já vários anos, necessitando, por isso de uma actualização.

O facto de uma câmara não ter o seu PMDFCI actualizado implicava já uma sanção que passava pela perda do apoio anual para o respectivo gabinete técnico florestal, o equivalente a 14 mil euros, valor fixo que sai do Fundo Florestal Permanente e é disponibilizado pelo Estado a cada autarquia que disponha deste tipo de gabinetes e que apresente a necessária candidatura.
A Lei do Orçamento do Estado, contudo, veio criar uma penalização adicional e bastante mais significativa: em caso de incumprimento do prazo de 31 de Março para os planos estarem devidamente actualizados, "é retido, no mês seguinte, 20% do duodécimo das transferências correntes do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF). Trata-se da mesma sanção já prevista para o caso de os municípios não cumprirem as regras sobre as limpezas da matas, que terão de estar concluídas até 31 de Maio – as dos próprios municípios e a dos provados que, não fazendo eles a limpeza, obriguem as câmaras s substituírem-nos nessa tarefa.

Exército
O Exército vai criar Grupo de Intervenção Rápida em Catástrofes e reforçar a sua capacidade ao nível da estrutura de comando, controlo e comunicações do Regimento de Apoio Militar de Emergência (RAME), criado em 2016, tendo sido anunciados este mês um conjunto de investimentos para melhorar a sua operacionalidade.

Meios disponíveis
O Estado não tem ainda os helicópteros ligeiros necessários para combater os incêndios do próximo Verão. Estão apenas garantidas 22 aeronaves, faltando 28 helicópteros ligeiros que terão de ser alugados por ajuste directo. Segundo o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, vai passar a existir "uma gestão flexível" de meios aéreos que vão estar disponíveis todo o ano.

Para além disso, o governante  disse que a empresa responsável pela manutenção e operação dos 3 Kamov do Estado, a Everjets, está neste momento notificada para pagamento de penalidades em incumprimentos de 2017 e 2018 que ascendem a quatro milhões de euros. Este é um braço-de-ferro que dura há meses. A ANAC, Autoridade Nacional de Aviação Civil, continua a não emitir as licenças de voo aos Kamov, porque insiste que estes têm de ter uma peça (PC-60) nova e a empresa quer prolongar os prazos de validade desta mesma peça.

O ministro da Administração Interna adiantou esta quarta-feira no parlamento que o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) esteve indisponível nove mil horas em 2017. O SIRESP é uma rede de comunicações de emergência e segurança, com mensagens encriptadas, baseado numa só infra-estrutura, nacional, partilhado, que assegura a satisfação das necessidades de comunicações das forças e serviços de emergência e de segurança, satisfazendo a intercomunicação e a inter-operabilidade entre aquelas forças e serviços e, em caso de emergência, permite a centralização do comando e da coordenação.

O ministro deu conta de que estão a ser instaladas 451 antenas nas áreas consideradas de maior risco de incêndio, tendo sido já adquiridas as unidades móveis que vão integrar o SIRESP.

(Nota do editor: mais uma parceria público-privada que não funciona?)

Estudo e preparação

Em Coimbra aconteceu o Encontro de Reflexão sobre os Incêndios Florestais, promovido pelo Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEIF) da Universidade de Coimbra (UC), na sequência de um desafio lançado, nesse sentido, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Na reunião participaram mais de quatro dezenas de representantes de entidades envolvidas na gestão dos incêndios florestais, desde operacionais e autarcas a cientistas e empresários ou produtores florestais.

O presidente da  ANPC - Autoridade Nacional de Proteção Civil, tenente-general Mourato Nunes, disse que estão a ser criadas condições para que a tragédia dos incêndios de 2017 não se repita.

Isso não dispensa a necessidade de que “cada pessoa seja um agente de proteção civil” e se criem “condições para que cada cidadão se proteja tanto quanto possível”, alertou, Mourato Nunes, referindo que a ANPC está “a tentar consciencializar as pessoas para o risco” e aquilo que “devem proteger”.

“Não podemos continuar a ter práticas de risco para nós e para os outros”, alertou o tenente-coronel Joaquim Delgado, comandante do SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente, recordando que no dia 16 de outubro de 2017 (poucas horas depois de terem deflagrado os incêndios que provocaram 49 mortes e a atingiram mais de 200 mil hectares de território), foram levantados “60 autos de contraordenação” por queimadas.

Mourato Nunes apontou a inexistência de cadastro das propriedades rurais (instrumento que é “decisivo” para os ordenamentos do território e florestal, mas que foi “sistematicamente adiado”, e de planos de proteção de zonas industriais ou o recurso a materiais inflamáveis, designadamente nas coberturas de edifícios industriais, como fatores adversos para a proteção da floresta e de bens.

“O nosso maior problema é o ordenamento florestal (andamos 30 anos a fazer o ordenamento urbano e esquecemos o resto)”, defendeu o presidente da Câmara de Pombal, Diogo Mateus.

Ainda vão ser efectuadas audições parlamentares a diversas entidades relacionadas com os fogos florestais de 2017. O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e os grupos parlamentares do PSD, BE e CDS-PP pediram para ouvir a Autoridade Nacional de Proteção Civil, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a associação de vítimas dos incêndios florestais, a Liga dos Bombeiros Portugueses, a Associação Nacional de Bombeiros e a Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários.
Todas as convocatórias estão relacionadas com o relatório da Comissão Técnica Independente estando os seus membros também no rol de entidades a serem ouvidas pelos deputados.


Como remate final aconselhamos a leitura do Ensaio "Uma reflexão sobre os incêndios florestais de 2017", escrito por Domingos Xavier Viegas, Professor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra
@ Público, Novembro 2017




This is Portugal from Shortfuse on Vimeo.

Este não é o filme que queríamos ter feito. 
Este não é o filme que Portugal merece.

Fontes de informação

Resolução do Conselho de Ministros n.º 167-B/2017
Determina a adoção de medidas de apoio imediato às populações, empresas e autarquias locais afetadas pelos incêndios ocorridos a 15 de outubro de 2017

Resolução da Assembleia da República n.º 268/2017
Recomenda ao Governo maior investimento na prevenção de incêndios e na defesa da floresta

Relatório de avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental


Diário de Notícias
Falhou antecipação dos fogos de outubro

Expresso
Um fogo que não se apaga: incêndios, o acontecimento nacional de 2017

Expresso
Incêndios de outubro foram os piores do mundo em 2017

Jornal de Negócios
Há 50 câmaras ainda sem plano contra incêndios

Jornal de Negócios
Governo alarga a mais municípios apoios à reconstrução após incêndios

Jornal de Notícias
Atribuídos 31 milhões de euros às vítimas dos incêndios de 2017

Observador
Parlamento vai ouvir antigos e atuais responsáveis da Proteção Civil

Público
Exército vai criar Grupo de Intervenção Rápida em Catástrofes

Público
Governo exigiu mais de quatro milhões de euros em multas a empresa dos Kamov

Sapo24
Incêndios: Proteção Civil diz que estão a ser criadas condições para que não se repita 2017

Sapo24
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